“ Estou cagando e andando para a convenção internacional”
Dr. Eduardo Padilha, Juiz de Direito em Casa Nova , Bahia.
Sexta-feira, dia 5 de março de 2010, a área de fundo de pasto conhecida como Areia Grande foi invadida por pessoas que ocupavam dois carros. A porteira de entrada foi arrombada, tendo sido parcialmente destruída, bem como a casa que tinha servido de moradia a José Campos Braga, conhecido como Zé de Antero, lavrador assassinado em janeiro de 2009, em razão do conflito fundiário instalado na região entre os moradores das comunidades e grileiros de terra.
A INVASÃO gerou apreensão e instabilidade entre os moradores de Salina da Brinca, Jurema, Melancia e Riacho Grande. Os moradores prestaram queixa junto à delegacia local informando o ocorrido.
A Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR), a Comissão Pastoral da Terra/Juazeiro (CPT), o Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas Agrícolas, Agroindustriais e Agropecuárias dos municípios de Juazeiro, Curaçá, Casa Nova, Sobradinho, Sento Sé (SINTAGRO-BA), e um representante das associações de fundo de pasto se dirigiram ao Fórum local para informar o fato ao Juiz de Direito, Dr. Eduardo Padilha, e pedir providências quanto ao mesmo tendo em vista à tensão gerada.
Surpreendentemente, em conversa com o magistrado, descobriram que se tratava de uma ação orquestrada pelo próprio, em companhia do Promotor de Justiça da comarca, Dr. Sebastião Coelho, de policiais militares, do oficial de Justiça Alberto Rocha, conhecido como Feijão, e de Gileno de Andrade Almeida, que o Juiz informou se tratar de seu segurança pessoal. Sobre Gileno, cabe informar que o mesmo se identifica enquanto representante e sócio dos grileiros.
O motivo de tal invasão, segundo o Juiz, seria a realização de nova inspeção judicial na área. Frise-se que uma inspeção judicial havia sido realizada no dia 19 de fevereiro de 2010, que contou com a participação de um servidor público da Coordenação de Desenvolvimento Agrário (CDA), da AATR, da CPT, do SINTAGRO, bem como os representantes das Associações de Fundo de Pasto.
Como se não bastasse a invasão e a realização de um ato processual sem comunicação ao Estado da Bahia, autor da ação discriminatória em que a inspeção teve curso, e das associações de fundo de pasto, partes no processo, o Juiz expulsou a CPT, o SINTRAGO e o representante das associações, e permaneceu debatendo com a AATR, apontando o seu ponto de vista sobre a ocupação do território tradicional. Segundo ele, a primeira inspeção foi objeto de um “engodo, uma enganação, uma maquiagem”, que “um circo foi armado”. Alegou que o território não possuía ocupação humana e que a quantidade de animais encontrados, segundo ele, menos de 50 bodes, não justificava a extensão da ocupação. O Juiz, ainda, colocou em dúvida o trabalho realizado pela CDA que atestou a ocorrência de grilagem de terras públicas e a ocupação tradicional das famílias, acusando-a de estar em acordo com as associações na suposta “enganação”.
Como contraponto, a AATR argumentou que a ocupação da área se dá sob o regime de fundo de pasto, o que não implica a ocupação humana permanente e que os animais são criados soltos. A AATR informou também que há uma convenção internacional, ratificada pelo Poder Legislativo, que assegura a proteção de tal forma de ocupação tradicional das terras. Foi nesse momento que o magistrado desdenhou de tal instrumento legal e disse: “Estou cagando e andando para a Convenção Internacional” .
Diante da argumentação da AATR, o juiz se reconheceu enquanto desconhecedor do regime de fundo de pasto, por nunca ter vivido no campo, mas que, mesmo assim, continuará sustentando o seu entendimento sobre a questão.
Repudiamos a ocorrência de um ato processual que não respeitou o devido processo legal, por contrariar o contraditório e a ampla defesa, o menosprezo do magistrado em relação aos instrumentos normativos de defesa de direitos sociais e em relação à ocupação centenário das comunidades de fundo de pasto.
Pedimos apoio na divulgação desta moção e na luta das comunidades tradicionais pela permanência em seus territórios.
Casa Nova, 11 de março de 2010
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