HISTÓRICO DA REDE PUXIRÃO

A emergência de identidades coletivas no Brasil nas últimas décadas tem revelado a existência de diversos grupos étnicos, organizados em movimentos sociais, que buscam garantir e reivindicar direitos, que sempre lhes foram negados pelo Estado. Desta forma, compreendem-se sem exaustão os motivos para o qual um país tão diverso em sua composição étnica, racial e cultural, a persistência de conflitos oriundos de distintas visões de mundo e modos de vida, que desencadeiam desde o período colonial, lutas pela afirmação das identidades coletivas, territorialidades especificas e reconhecimento dos direitos étnicos.



Na região Sul, especialmente no Paraná e Santa Catarina, a invisibilidade social é uma das principais características dos povos e comunidades tradicionais. Até pouco tempo atrás, a inexistência de estatísticas e censos oficiais fez com que estes grupos elaborassem seus levantamentos preliminares numa tentativa de afirmarem sua existência coletiva em meio a tensões, disputas e pressões que ameaçam seus diretos étnicos e coletivos garantidos pela Constituição Federal de 1988 e, diversos outros dispositivos jurídicos infraconstitucionais[1].



Destas demandas surge, na região Sul, a Rede Puxirão dos Povos e Comunidades Tradicionais, fruto do 1º Encontro Regional dos Povos e Comunidades Tradicionais, ocorrido no final do mês de Maio de 2008, em Guarapuava, interior do Paraná. Neste espaço de articulação, distintos grupos étnicos, a saber: xetá, guaranis, kaingangs, faxinalenses, quilombolas,benzedores e benzedeiras, pescadores artesanais, caiçaras, cipozeiras, religiosos de matriz africana e ilhéus; tais segmentos se articulam na esfera regional fornecendo condições políticas capazes de mudar as posições socialmente construídas neste campo de poder. Ademais, a conjuntura política nacional corrobora com essas mobilizações étnicas, abrindo possibilidades de vazão para as lutas sociais contingenciadas há pelo menos 3 séculos, somente no Sul do País.



quarta-feira, 4 de julho de 2012

Viva São Gonçalo! Viva São João Batista! Viva!

Romaria de São Gonçalo

Na noite do dia 23 de junho até amanhecer o dia 24, foi de muita festa e devoção na Comunidade de Góes Artigas, localidade de Km 101. Na casa de José Moraes, por mais um ano seguindo a tradição de mais de três gerações a Família Moraes realizou a Romaria de São Gonçalo em devoção a São Gonçalo e São João Batista.

Família Moraes - Cantadeiras, Romeiro e Ajudantes do Romeiro
Graças ao bom tempo e a coragem dos devotos em enfrentar à má condição das estradas, muitas pessoas estavam presentes, da comunidade de Góes Artigas à maioria, mas também muitas pessoas das Comunidades de Assentamento Europa, Barreiros, Banhados, Guará, Itapara e das cidades de Curitiba, Guarapuava, Irati, Inácio Martins, Ponta Grossa, São Paulo, entre outras.
Preparativos da Festa
Dias antes do dia da Romaria de São Gonçalo, a organização da Festa começou. Foram muitas coisas organizadas com antecedência para que tudo estivesse pronto para receber os devotos e Dançar São Gonçalo. Para tanto a família e vizinhos se ajudaram para construir, desmanchar, arrumar, pintar e enfeitar.
As duas cáeiras em homenagem a São João Batista, que iluminaram e esquentaram a noite, foram construídas de lenha em forma de mutirão familiar, segundo José Moraes as mesmas variaram de 15 à 20 metros de altura cada;
Como todos os anos foi “carneado” isto é abatido um porco, cuja a carne acompanhou a tradicional quirerada, preparada por Noeli Moraes, esposa de José Moraes. Depois da “carneança”, a carne foi fritada e conservada na lata para guardar o sabor sem igual do porco crioulo;
Arrumação do altar, essa atribuição foi assumida por Vera Lucia e Rosilda de Moraes que decoraram o altar com folhas de butieiro, pinhas e flores, tudo para aconchegar as imagens de São Gonçalo, São João Batista e Nossa Senhora Aparecida;
As bandeirinhas de beleza singular, cada uma com cor e cortes específicos, fez com que a simplicidade do papel ceda dessa cor a casa e a noite de Romaria. As bandeirinhas de feitio de Cecília Maria de Moraes foram ensinadas por ela à suas filhas Vera Lucia e Rosilda que com muito apreço as fazem e, esse ano tiveram ajuda de Jackson Moraes, filho de Vera Lucia;

O mastro a São João Batista foi preparado por José Moraes, a escolha da madeira e a pintura foram feitas com muita devoção, pois a bandeira do mastro ficará hasteada pelo período de um ano, até a próxima Romaria. As tintas usadas na pintura geralmente são ofertas de festeiros, que se comprometeram na festa anterior a contribuir com a realização da Festa desse ano, a festeira que doou as tintas desse ano foi Eva de Moraes irmã de José de Moraes. A bandeira de São João Batista a qual foi pregada ao mastro foi encomendada a costureira da comunidade Tereza Saldanha que confeccionou a bandeira, desenhando e pintando São João Batista.
Arrumação da casa, está função fica à cargo de Noeli Moraes que disponibiliza sua casa para realizar a festa, os moveis são removidos para dar espaço ao altar e aos devotos que ali passam à noite. Para tanto é necessário muito trabalho para conseguir espaço, lembrando que os quartos também são usados para as crianças dormirem enquanto os adultos rezam e dançam;
A comida foi preparada como de costume por Noeli Moraes. No fogão não faltou lenha, pois o trabalho é continuo. Foi necessário esquentar a carne de lata que já tinha sido frita anteriormente, preparado um grande taxo de quirera, sem contar que o chimarrão não parou de rodar a noite toda. Sendo que na semana de Romaria Dona Noeli recebeu muitas visitas em casa, algumas para ajudar nos preparativos e outras para participar da festa. Na noite de Romaria além da janta que foi servida por volta das 20h, no forte do frio e do sono foi servido o famoso café da madrugada para dar ânimo as cantadeiras, rezadores e devotos.  
Romaria de São Gonçalo – Noite de Fé e Festa
Os devotos chegaram à pé, de cavalo, carroça, carro e carona. E assim se iniciou à ansiedade para começar a Dança de São Gonçalo, enquanto isso foi servido a janta, colocado as crianças para dormir, e aproveitado o tempo para se aquentar na cáeira e tomar um quentão, pois na noite de Romaria sempre faz muito frio.
A Dança para São Gonçalo é feita em volteadas, isto é, são separadas em números impares de um à sete, no caso dessa Romaria foram dançadas três volteadas. Cada volteada é composta por pares impares formados por casais de homens e mulheres, separados em duas filas, à direita as mulheres atrás do Romeiro e a esquerda os homens seguindo o ajudante de Romeiro. A frente das mulheres estava o Romeiro José Moraes, e a frente dos homens se revezaram os ajudantes de Romeiro Silvio e Antonio de Moraes.
Durante a volteada não se pode entrar ou sair pares, quem entra na dança precisa permanecer até o fim da volteada, o Romeiro exige o respeito dos participantes, tanto os que estão dançando como os que estão assistindo não podem permanecer de chapéu ou boné na cabeça, precisam parar de conversar ou conversar baixo de maneira que não atrapalhe o rito e jamais beber bebidas alcoólicas durante a volteada.
Cantadeira Noemia, beijando o Santo - Dança de São Gonçalo
As cantadeiras compõe os primeiros lugares da fila das mulheres e cantam para São Gonçalo cantigas que aprenderam pela tradição as quais dão lhe vida  com agudos em repetidos estrofes. Quatro cantadeiras são irmãs, são elas, Maria Rosa Lewitzki, Eva Oliveira, Vera Lucia de Moraes e Rosilda de Moraes, que seguindo os passos de seu pai já falecido, o Capelão Manoel Pires de Moraes, cresceram cantando e rezando Romarias, Recomendas, Novenas e Velórios juntamente com seus irmãos e primos. Neste ano à Cantadeira Noemia, prima da família e moradora da Comunidade de Barreiros também ajudou cantar à Romaria.
A Dança de São Gonçalo consiste em beijar São Gonçalo no altar, não lhe dando as “costas” de maneira alguma, em forma de homenagem, agradecimento e louvor ao Santo.
Após as três volteadas foi realizado a Procissão com São João Batista no Andor,  durante a procissão rezada pelo Capelão Alcides Correia foram cantados Benditos, enquanto todos caminhavam em direção ao rio também seguravam velas nas mãos, de forma simbólica retratam à lavagem do Santo no rio, a fim de aprontá-lo para sua festa.
 
Cantadeiras cantam Benditos e Ladainhas enquanto é erguido o Mastro.
Vera Lucia de Moraes retirou o quadro de São João Batista do Andor e o banhou no rio, secando-o com uma toalha nova, ou seja, ainda não usada. Após, todos que desejaram puderam “se lavar” no rio, com objetivo de espertar no sono que assolava a madrugada, bem como, “se benzer”, isto é, se purificar e se proteger com a benção de São João Batista.
Depois deste momento, apenas com a luz das velas e das cáeiras, sob as Ladainhas e Benditos os homens se encarregaram de erguem o Mastro, pregando no mesmo a bandeira de São João Batista que acompanhou a procissão. O Mastro erguido ficará hasteado até à próxima Romaria, neste momento inúmeros fogos de artifício foram queimados em louvor a São João Batista.
Erguida do Mastro de São João Batista
Retornando para dentro de casa novamente, o Capelão conduziu a Novena da Festa rezando orações da cartilha de rezas do ano de 1906, a qual pertenceu ao Capelão Manoel Pires de Moraes, que em sua época à rezava. As escritas são rezadas e cantadas em latin, em oferenda à devoção da família a São João Gonçalo e São João Batista, desencarregando a promessa feita.
Novena da Festa - Romeiro José Moraes 
O último rito da Festa aconteceu quando o dia 24 já estava claro, e os festeiros do próximo ano foram agradecidos um à um com a queima de um foguete.
Nos intervalos das volteadas e demais ritos, Alcides Correia gritou o leilão com prendas doadas pelos festeiros, que foram litros de bebidas, galinhas, assessórios de cozinha, etc. Que serviram para contribuir com os gastos da festa.
A Romaria que acontece rodeada de mato fechado, fez do céu um clarão, pois marcando cada rito, desde à chegada dos participantes até o amanhecer foram queimados inúmeros foguetes, sob à responsabilidade dos filhos e sobrinhos de Jose Moraes que controlaram a queima dos fogos. 
Devoção e Tradição
Para Família Moraes a Romaria não é uma diversão, é sobretudo uma tradição  de décadas fundamentada na devoção aos Santos Festeiros, um ato de fé que se torna a cada ano uma missão a ser realizada, respeitando a memória do Capelão e patriarca Manoel Pires de Moraes e correspondendo ao desejo da mãe dessa grande família Cecília Maria de Moraes que incentiva a Família à realizar essa linda devoção todos os anos.

Cecília Maria de Moraes - Beijando o Santo.
O dia de Romaria de São Gonçalo é esperado pela Família Moraes, vizinhos e moradores dos arredores, faz parte da cultura tradicional da região e por isso precisa ser fortalecida como prática cultural, para que assim supere o risco de ser extinta como tantas outras práticas tão importantes à preservação de nossa cultura local.

Texto e Fotos por Taisa Lewitzki
Fonte: http://goesartigas.blogspot.com.br/2012/07/viva-sao-goncalo-viva-sao-joao-batista.html

Um comentário: