HISTÓRICO DA REDE PUXIRÃO

A emergência de identidades coletivas no Brasil nas últimas décadas tem revelado a existência de diversos grupos étnicos, organizados em movimentos sociais, que buscam garantir e reivindicar direitos, que sempre lhes foram negados pelo Estado. Desta forma, compreendem-se sem exaustão os motivos para o qual um país tão diverso em sua composição étnica, racial e cultural, a persistência de conflitos oriundos de distintas visões de mundo e modos de vida, que desencadeiam desde o período colonial, lutas pela afirmação das identidades coletivas, territorialidades especificas e reconhecimento dos direitos étnicos.



Na região Sul, especialmente no Paraná e Santa Catarina, a invisibilidade social é uma das principais características dos povos e comunidades tradicionais. Até pouco tempo atrás, a inexistência de estatísticas e censos oficiais fez com que estes grupos elaborassem seus levantamentos preliminares numa tentativa de afirmarem sua existência coletiva em meio a tensões, disputas e pressões que ameaçam seus diretos étnicos e coletivos garantidos pela Constituição Federal de 1988 e, diversos outros dispositivos jurídicos infraconstitucionais[1].



Destas demandas surge, na região Sul, a Rede Puxirão dos Povos e Comunidades Tradicionais, fruto do 1º Encontro Regional dos Povos e Comunidades Tradicionais, ocorrido no final do mês de Maio de 2008, em Guarapuava, interior do Paraná. Neste espaço de articulação, distintos grupos étnicos, a saber: xetá, guaranis, kaingangs, faxinalenses, quilombolas,benzedores e benzedeiras, pescadores artesanais, caiçaras, cipozeiras, religiosos de matriz africana e ilhéus; tais segmentos se articulam na esfera regional fornecendo condições políticas capazes de mudar as posições socialmente construídas neste campo de poder. Ademais, a conjuntura política nacional corrobora com essas mobilizações étnicas, abrindo possibilidades de vazão para as lutas sociais contingenciadas há pelo menos 3 séculos, somente no Sul do País.



quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A sina maldita de 56 famílias de Ilhéus

A matéria que segue abaixo foi publicada pelo jornal Gazeta do Povo em abril de 2008. Embora tenha sido publicada há quase dois anos, a situação das famílias retratadas na reportagem permanece a mesma:

Candói - Até novembro de 1982, João Pereira Filho foi proprietário de 35 hectares de uma terra plana e fértil em Ilha Grande, na divisa do Paraná com Mato Grosso do Sul. Junto com os quatro filhos, plantava arroz, milho, feijão, cana-de-açúcar, batata-doce e mandioca, além de criar cabritos, vacas e porcos. Mas a formação do lago de Itaipu e a criação do Parque Nacional de Ilha Grande o obrigaram a deixar o lugar. O terreno onde ele foi reassentado, em 4 de outubro de 1984, após dois anos de muita briga, é “dobrado, cheio de pedra e morro”, como ele mesmo descreve. E menor: são 14 hectares, pelos quais ainda não terminou de pagar – até porque, quase um quarto de século depois, ainda não recebeu um centavo pela desapropriação do sítio que tinha em Ilha Grande.
Nascido no Ceará, João se mudou para São Paulo aos 20 anos e chegou à ilha aos 42. “Era uma vida de paraíso, eu achava que nunca mais teria que me mudar.”
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Pois teve. Desalojado de Ilha Grande, foi reassentado na Ilha do Cavernoso, península que fica a 55 quilômetros da cidade de Candói, no Centro-Sul do Paraná. Nesse município, o distrito do Cavernoso é a testemunha mais antiga dos efeitos de uma hidrelétrica, coisa que Candói só sentiria mais de perto a partir de 2001, com a construção das pequenas usinas de Santa Clara e Fundão, no Rio Jordão.
A península é formada por um morro que tem, ao norte, o Rio Cavernoso e, ao sul, o lago de 209 quilômetros quadrados da hidrelétrica de Salto Santiago. Coincidência maldita para quem havia sido expulso pelas águas de outra represa, a de Itaipu, a mais de 300 quilômetros dali.
Mas a desgraça de João Pereira Filho e das outras 55 famílias desalojadas de Ilha Grande e reassentadas no Cavernoso parece não ter fim. Para fazer cumprir a lei, o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) quer agora reflorestar uma faixa de 100 metros a partir das margens do Cavernoso e do lago de Salto Santiago. Com isso, a população do Cavernoso corre o risco de, uma segunda vez na vida, perder suas terras e ter de partir para um novo recomeço.
Hoje com 78 anos, João ainda convive com outro resquício trágico da luta por uma indenização: a lembrança da morte de seu filho Antônio. Integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), Antônio fazia parte da caravana que, em 2 de maio de 2000, foi barrada pela Polícia Militar na BR-277, perto de Campo Largo (região metropolitana de Curitiba). Registrado por câmeras de televisão, o confronto terminou com dezenas de feridos e uma morte – com um tiro na barriga, Antônio morreu aos 38 anos. Em sua memória, foi erguido um monumento, desenhado por Oscar Niemeyer, às margens da rodovia.
Tranqüilidade
A desapropriação das áreas alagadas pelas represas de Santa Clara e Fundão, as duas últimas usinas concluídas no Paraná, foi relativamente tranqüila. Situadas entre os municípios de Foz do Jordão, Pinhão e Candói, elas têm reservatórios relativamente pequenos e afetaram uma região onde predominam grandes propriedades. Por isso, a maioria dos agricultores não precisou deixar suas fazendas. Apenas 20 famílias, donas de pequenos sítios, tiveram de sair – e a maioria já foi ressarcida. (FJ)


Um Messias sem luz
O desempregado Messias Augusto, de 62 anos, mora a 500 metros da margem do Rio Paraná, apenas cinco quilômetros abaixo da usina de Itaipu. Ele não teria qualquer vínculo com a segunda maior hidrelétrica do mundo se não fosse uma infeliz coincidência: seu barraco não tem luz elétrica. A Messias, cuja única diversão é um rádio a pilha, não falta apenas o conforto de banho quente, televisão e geladeira; falta comida. Ao lado de outros milhares de exemplos espalhados por cidades que abrigam hidrelétricas, sua história é um discreto símbolo de que a instalação de uma grande usina não é sinônimo de desenvolvimento econômico e social para todos. As obras podem até movimentar a região durante um tempo, mas no fim a prioridade será transferir a energia aos grandes centros consumidores. Tanto que a luz elétrica em Foz do Iguaçu é fornecida pela Copel, ao passo que boa parte da energia de Itaipu vai para o Sudeste do país.

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